SIBÉRIA | A nova experiência alucinógena de Abel Ferrara (Crítica) - 44° Mostra SP
Conhecido por representar a realidade em diferentes tons, o diretor Abel Ferrara mostra em Sibéria uma história tradicional de um artista envelhecido e existencialmente torturado que luta contra as decisões que tomou, um personagem que quase certamente serve como um paródia do diretor e interpretado pelo velho parceiro do cineasta, o competente e famosíssimo Willem Dafoe.
Sibéria é um experimento na lógica dos sonhos, com pouco tecido conectivo entre as cenas e imagens e símbolos ocasionalmente desequilibrados que lembram longas de diretores consagrados. Em um primeiro momento, o filme costuma ser bastante evocativo e comovente, e Ferrara retrata Clint (Dafoe) como um homem um criativo e implicitamente machista. Em uma atuação segura, Dafoe incorpora o que Ferrara pede, um personagem imponente e que está vivendo no deserto da Sibéria operando um bar para escapar de arrependimentos vívidos.
Cada movimento do personagem principal é transmitido por Willem Dafoe com gravidade e tristeza, tudo é sentido de forma sensorial e a habilidade de Dafoe como ator acaba passando ao espectador as ideias loucas que Ferrara com grande prestígio. Já que o longa consegue se sustentar com um ator de grande calibre, aqui o diretor acaba explorando com maestria as paisagens nevadas da Sibéria, bem como os cachorros de Clint, com uma atenção que muitas vezes se aproxima do êxtase.
Enquanto Clint navega por um turbilhão de memórias ao viajar pela selva siberiana, o personagem acaba encontrando um campo concentração russo e uma caverna que pode ser um purgatório. Certos momentos do filme são surpreendentes, como quando uma jovem mostra seus seios e barriga grávida para Clint, inspirando-o a se curvar e tocá-la com temor religioso.
Entretanto, mesmo Ferrara colocando toda sua sabedoria, o diretor erra ao explorar clichês e diálogos sem sentido ao encontrar um mágico (Simon McBurney) que dá um sermão em Clint sobre estar em dívida com um problema que ele teve com seu pai. Clint tem um sentimento preso no qual ele deve procurar conseguir tirar para fora da sua alma esse demônio que misturou com outros problemas pessoais nisso Nietzsche acaba sendo inevitavelmente citado, pois este é um filme sobre o abismo e tais diálogos e sequências difíceis mostram o tom que Ferrara queria expressar no filme. O diretor se esforça no surrealismo e acaba se torna enfadonho e até mesmo se entrega a estereótipos do “sonho para que Clint aprenda a superar sua desgraça sentimental.
Mesmo com tropeços, a culpa de Clint e o sentimento de que ele nunca amou o pai de maneira adequada é comunicado por Willem Dafoe com uma espécie de miséria vivida que costuma ser comovente. O filme começa com um monólogo, quando Clint se lembra das viagens de pesca com seu pai no Canadá, que mais tarde são complementadas por um momento estranho e inesquecivelmente comovente quando o pai de Clint aparece para explicar ao filho toda a parafernália que eles farão em sua próxima viagem.
Esses são os tipos de detalhes que pegamos quando tentamos conjurar os entes queridos de nosso passado, especialmente aqueles que suspeitávamos ter falhado e Dafoe oferece este diálogo com uma ansiedade que afirma a necessidade do homem de se conectar, bem como a necessidade de Clint em sentir este sentimento que está preso nele. O que torna Sibéria no geral um filme de arte alucinógeno e que pode cativar cinéfilos mais acostumados com a estranheza e esquisitices no qual Abel Ferrara sempre teve o costume de pregar.
*Filme assistido na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, para mais detalhes, acesse: https://44.mostra.org/
Trailer:
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