ANTON: LAÇOS DE AMIZADE | Zaza Urushadze desperdiça boa narrativa em seu último filme (Crítica)
A Revolução Russa é marcada por um dos períodos mais polêmicos da história. A Rússia era um país quebrado e decadente, que beirava a fome, e perdera a glória dos dias de Catarina, A Grande, tornou-se uma das duas superpotências mundiais. Ao mesmo tempo, também não se pode deixar de comentar quantas atrocidades foram produzidas neste processo ditatorial e um destes graves e horrendos exemplos foram as ações do Exército Vermelho contra a Ucrânia.
Partindo desse enredo, “Anton – Laços de Amizade” (Anton) nos mostra de forma leve o pequeno garoto católico Anton e seu amigo Jakob, um menino judeu. Eles vivem em uma pequena vila na Ucrânia no ano de 1919 e acabam tendo uma verdadeira amizade, que nem mesmo a guerra ou as crenças religiosas entre seus familiares serão capazes de destruir este laço puro entre os dois garotos. Comandado por Zaza Urushadze, cineasta que faleceu antes do lançamento do filme. Urushadze é bastante conhecido pelo longa Tangerinas, lançado em 2013 e indicado ao Oscar e Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme Internacional, Neste seu último trabalho, o diretor explora o período das grandes guerras e também a polêmica Revolução Russa.
Seguindo a abordagem de longas famosos que ultimamente estão optando em abordar a amizade entre crianças como um tema cativante, o longa não fica preso neste tema e aqui foco central da narrativa é marcado por citar referências e nomes historicamente importantes para entendermos sobre uma época bastante obscura no leste europeu, que raramente é retratado, pois sempre vemos longas com temáticas relacionadas ao regime nazista, mas poucas são aquelas que falam sobre o totalitarismo que assolou a Rússia, principalmente durante a Guerra Civil, envolvendo o governo bolchevique.
A produção foca no período em que Leon Trótski era o comandante da União Soviética (URSS) e nesta mesma época ele criou o famoso Exército Vermelho, que é mencionado diversas vezes no filme. Vale lembrar que Lenin ficou bastante famoso por ser um líder impiedoso, mas Trótski seguiu o mesmo caminho de seu antecessor e os tempos eram bem violentos, o que não acabamos vendo de forma significativa no longa, pois acompanhamos de forma muito sútil este período turbulento por meio da perspectiva dos meninos. Com a história sendo abordada de forma bastante fiel, o filme ainda nos mostra um pouco de filosofia ao fazer junção entre os pensamentos de Trótski e suas ideologias. A Teoria Marxista é citada em cenas essenciais para seguir a linha de raciocínio do personagem, em uma delas, o tirano deixa subentendido que se baseia em uma única vertente da teoria, a mudança social, com a obviedade da classe dominadora.
De forma bastante sensível, a produção nos mostra a percepção e inocência das crianças em relação as atrocidades que as rodeiam. Com um caos ao redor deles, as crianças até repetem o que falam os adultos, mas elas acabam não tendo consciência de como é grave o momento em que elas estão passando, mas na hora em que os impactos começam a circular diretamente em suas vidas, como a morte de entes queridos e o envolvimento de parentes com a resistência, as crianças percebem que os acontecimentos e a amizade deles podem sofrer grandes ameaças.
Com um enredo inicialmente cativante, o filme também possui elementos que deixam a produção bastante rica, como fotografia e a trilha sonora. A fotografia faz jus ao nome, e usa muito bem a beleza das cenas, contrapartidas com o horror da trama, além de ter uma narrativa visual interessante. Enquanto isso, a trilha sonora é mínima, seja em relação aos poucos instrumentos utilizados, predominantemente quarteto de cordas, seja na presença, usada apenas quando necessita de um reforço dramático para a cena.
Entretanto, o longa acaba possuindo problemas e entre eles está na atuação de Nikita Shlanchak junto a um roteiro que não colabora, o que torna o personagem Anton as vezes chato, fora ainda que outras interpretações são um tanto inexpressivas. Outra coisa também que a película deixa escapar é que em muitos momentos a ideia de se utilizar o tema da amizade é esquecido, boa parte da produção foca em personagens da família que vivem na vila e no plano de insurreição contra o exército. Parece que o início do filme te mostra uma proposta de tema da história, durante o meio do filme foi decidido que o foco seria outra parte do contexto histórico da região e no final eles decidem voltar para a proposta inicial de forma apressada e sem muitas explicações do que aconteceu com os personagens.
No geral, “Anton – Laços de Amizade” (Anton) apresenta problemas de desenvolvimento, o filme parecia ser mais interessante por propor uma visão e acaba mostrando uma visão política dos produtores e do diretor dos acontecimentos históricos. O que poderia ser um filme cheio de simbolismo como o marcante “O Menino do Pijama Listrado” acaba se perdendo em uma narrativa que é totalmente desperdiçada com um roteiro indeciso, uma pena, pois o filme tinha um grande potencial.
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